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Na COP30, espera-se conhecer a nova ambição das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês) contendo as metas climáticas assumidas pelos países para o período 2031-2035, o que será determinante para impulsionar esta nova fase de implementação.

A agricultura, embora altamente vulnerável aos impactos da mudança do clima, oferece um conjunto estratégico de soluções para enfrentá-la. Secas, enchentes e mudanças no regime de chuvas já comprometem a produtividade agrícola, ameaçando cadeias globais de abastecimento. Em contrapartida, a adoção de tecnologias de baixo carbono e de práticas sustentáveis demonstra o potencial do setor para o armazenamento de carbono no solo. Assim, a agricultura se destaca como uma das poucas atividades econômicas capazes de fornecer medidas efetivas de adaptação e mitigação, promovendo um ciclo virtuoso que alia produção, energia limpa e conservação ambiental.

O papel do setor agropecuário como parte da solução é amplamente reconhecido nas NDCs das Partes: das 166 NDCs submetidas até setembro de 2024, 141 incluem ações voltadas à agricultura, seja em mitigação, adaptação ou cobenefícios.

Para a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), envolvida na agenda há mais de 10 anos, a agricultura é um componente essencial para o cumprimento das metas do Acordo de Paris e da Agenda 2030, especialmente no avanço dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 2, 12, 13 e 15. Nesse contexto, reforça seu compromisso com a promoção da agropecuária de baixo carbono, alicerçada no Plano ABC+ e na implementação do Código Florestal, ou seja, políticas de desenvolvimento sustentável fundamentais para o alcance da NDC brasileira.

Entretanto, o pleno aproveitamento do potencial da agricultura como provedora de soluções climáticas depende da superação de gargalos críticos de financiamento. A transição para uma economia de baixo carbono exige recursos de longo prazo, custos de transação reduzidos e instrumentos financeiros adaptados às especificidades do setor agropecuário.

Nesse contexto, o Roadmap Baku-Belém para 1.3T, que é uma iniciativa coordenada pelas Presidências da COP29 e da COP30 para mobilização de 1,3 trilhão de dólares para financiamento climático, assume um papel essencial ao explorar formas de ampliar os meios de implementação dos países em desenvolvimento por meio de doações, instrumentos concessionais e não geradores de endividamento e medidas para não prejudicar o espaço fiscal dos países. Aumentar a capacidade das Partes para implementar ação climática, por meio do financiamento, é fundamental para o cumprimento dos objetivos do Acordo de Paris.

Em um cenário de instabilidade política, com guerras em curso, medidas protecionistas e políticas tarifárias que desafiam a cooperação internacional, a diversificação das fontes de financiamento emerge como condição indispensável para a nova década do Acordo de Paris. Embora não seja um item formal de negociação, o Roadmap Baku-Belém deverá orientar atores do ecossistema global de financiamento climático, contribuindo para a transição proposta pela Presidência da COP30 e dando início a uma fase marcada pela implementação.

A estruturação de mecanismos de financiamento em mitigação e adaptação será determinante para destravar projetos capazes de acelerar a implementação do Acordo de Paris. Apesar dos enormes desafios, a COP30 pode representar um marco significativo de transformar ambições em resultados concretos, inaugurando uma nova etapa das negociações climáticas e do desenvolvimento sustentável.

A seguir, a CNA destaca os principais temas que serão tratados na COP30, visando apontar caminhos que devem orientar as negociações na visão da agricultura brasileira.

AGENDA DE AÇÃO

Com vistas à celebração dos 10 anos do Acordo de Paris, a Presidência da COP30 pretende inaugurar uma nova década de implementação efetiva de ações climáticas, com impactos positivos em mitigação e adaptação. Para orientar esse processo, o Global Stocktake foi adotado como referência central da Agenda de Ação. Suas recomendações atuarão como uma “NDC global”, servindo de guia para o cumprimento da meta de aumento da temperatura média do planeta em 1,5 ºC e promovendo maior alinhamento na ação e na ambição climática.

Em linha com as prioridades definidas para a COP30 – avançar o multilateralismo, conectar a UNFCCC às pessoas e avançar a implementação do Acordo de Paris –, a Agenda de Ação foi estruturada para abordar três desafios principais:

I. Alinhar-se ao que já foi acordado nas COPs anteriores;

II. Alavancar as iniciativas existentes e potenciais novas para acelerar a implementação do Acordo de Paris; e

III. Impulsionar a transparência, o monitoramento e a responsabilização por compromissos e iniciativas existentes.

Concebida como um “celeiro de soluções”, a agenda busca reunir iniciativas concretas que conectam a ambição climática a oportunidades de desenvolvimento em investimentos, inovação, finanças, tecnologia e capacitação. Está estruturada em seis eixos temáticos, que se desdobram em 30 objetivos-chave:

Agenda de ação COP30

Transição dos setores de energia, indústria e transportes

  1. Triplicar renováveis e duplicar eficiência energética
  2. Acelerar tecnologias de zero e baixas emissões em setores de difícil descarbonização
  3. Assegurar o acesso universal a energia
  4. Transição para o afastamento dos combustíveis fósseis de forma justa, ordenada e equitativa

Gestão sustentável de florestas, oceano e biodiversidade

  1. Investimentos para parar e rever o desmatamento e a degradação florestal
  2. Esforços para conversar, proteger e restaurar a natureza e ecossistemas com soluções para o clima, biodiversidade e desertificação
  3. Esforços para preservação e restauração de oceanos e ecossistemas costeiros

Transformação da agricultura e sistemas alimentares

  1. Recuperação de áreas degradadas e agricultura sustentável
  2. Sistemas alimentares mais resilientes, adaptados e sustentáveis
  3. Acesso equitativo a alimentação adequada e nutrição para todos

Construção de resiliência em cidades, infraestrutura e água

  1. Governança multinível
  2. Construções e edificações sustentáveis e resilientes
  3. Desenvolvimento urbano, mobilidade e infraestruturas resilientes
  4. Gestão da água
  5. Gestão de resíduos sólidos

Promoção do desenvolvimento humano e social

  1. Promoção de serviços de saúde resilientes
  2. Redução dos efeitos da mudança do clima na erradicação da fome e da pobreza
  3. Educação, capacitação e geração de empregos para enfrentar a mudança do clima
  4. Cultura, patrimônio cultural e ação climática

Objetivos transversais. Catalisadores e aceleradores, incluindo financiamento, tecnologia e capacitação

  1. Finanças climáticas e sustentáveis com integração do clima em investimentos e seguros
  2. Financiamento para adaptação
  3. Compras governamentais integrando o clima
  4. Harmonização de mercados de carbono e padrões de contabilidade
  5. Clima e comércio
  6. Redução das emissões de gases não-CO2
  7. Governança, capacidade do Estado e fortalecimento institucional para a ação climática, planejamento e preparação
  8. Inteligência artificial, infraestrutura pública digital e tecnologias digitais
  9. Inovação, empreendedorismo climático e micro e pequenas empresas
  10. Bioeconomia e biotecnologia
  11. Integridade da informação em assuntos climáticos

Para cada área temática foram criados Grupos de Ativação, considerados o “motor” da agenda, reunindo esforços voluntários e colaborativos de governos nacionais e subnacionais, investidores, empresas e organizações da sociedade civil em torno de metas climáticas. Cada grupo conta com um Secretariado responsável por monitorar o progresso das atividades e garantir sua continuidade após a COP30.

As ações climáticas de diferentes atores poderão ser registradas no Portal de Ação Climática Global da UNFCCC (GCAP, na sigla em inglês), oferecendo uma visão clara e abrangente da ação climática global e permitindo acompanhar seu progresso.

Com essa nova abordagem, a Presidência da COP30 busca ampliar o impacto das iniciativas globais, promovendo a implementação prática dos compromissos assumidos no âmbito do Acordo de Paris.

Nesse cenário, a CNA considera fundamental dentro da Agenda de Ação da Presidência da COP30:

I. A inclusão das ações da agropecuária brasileira, demonstrando os esforços de mitigação e adaptação e a participação ativa dos produtores rurais brasileiros no fornecimento de soluções climáticas;

II. O reconhecimento das ações da agricultura tropical nos resultados do Global Stocktake; e

III. A criação de um mandato sobre agricultura tropical dentro do Acordo de Paris, criado a partir da presidência da COP30.

FINANCIAMENTO: ROADMAP BAKU-BELÉM

Investimentos de larga escala serão necessários para viabilizar a transição para uma economia de baixo carbono e adaptar os sistemas produtivos. Nesse contexto, o financiamento climático destinado aos países em desenvolvimento, cuja importância é reforçada no Acordo de Paris, emerge como condição fundamental para fortalecer a resiliência climática e possibilitar a implementação de ações de mitigação e adaptação.

A aprovação, na COP29, da Nova Meta Coletiva Quantificada de Financiamento Climático (NCQG) estabeleceu um novo patamar de ambição. Em substituição à meta anterior de USD 100 bilhões anuais, foram definidos dois marcos: USD 300 bilhões anuais até 2035, com liderança dos países desenvolvidos; e USD 1.3 trilhão anuais até 2035, envolvendo todos os países e atores.

Um dos pilares centrais dessa nova abordagem é a diversificação das fontes de financiamento, com destaque para a necessidade de reforma da arquitetura financeira multilateral. A NCQG ampliou o escopo de fontes de financiamento, formalizando que as metas acordadas virão de fontes públicas, privadas, bilaterais e multilaterais.

Para detalhar como chegar ao montante almejado, foi estabelecido o “Roteiro de Baku a Belém para USD 1.3 trilhão” (Roadmap Baku-Belém), coordenado pelas Presidências da COP29 e da COP30, com o objetivo de ampliar o financiamento climático, definindo um plano de ação para viabilizar o alcance da meta até 2035.

O documento final deverá ser apresentado até a COP30, incluindo fontes oriundas de doações, instrumentos concessionais e não geradores de endividamento, além de medidas para não prejudicar o espaço fiscal dos países. Vale salientar que o Roadmap Baku-Belém não faz parte da agenda formal de negociação.

Apesar do cenário de instabilidade geopolítica, que impõe desafios ao multilateralismo climático, o financiamento é um componente essencial para impulsionar uma nova década voltada à implementação de ações climáticas, conforme defendido pela Presidência da COP30. Nesse contexto, o Roadmap Baku-Belém se apresenta como instrumento estratégico para fortalecer o alcance dos objetivos da NCQG.

A construção do Roadmap Baku-Belém conta com a contribuição de diferentes iniciativas, com destaque para o Círculo de Ministros de Finanças da COP30, que reúne as Presidências da COP21 à COP29. Essa plataforma vem realizando consultas ao longo do ano e entregará à Presidência da COP30 um relatório com recomendações concretas e exemplos de ações que servirão como insumo técnico para o documento. Entre as prioridades definidas estão:

I. Reforma dos bancos multilaterais de desenvolvimento;

II. Expansão do financiamento concessional e dos fundos climáticos;

III. Criação de plataformas nacionais e fortalecimento da capacidade doméstica para atrair investimentos sustentáveis;

IV. Desenvolvimento de instrumentos financeiros inovadores para mobilização de capital privado; e

V. Fortalecimento das estruturas regulatórias para o financiamento climático.

A CNA entende que o Roadmap Baku-Belém deve impulsionar a implementação da NCQG ao longo do tempo, promovendo um diálogo contínuo entre as Partes com base no resultado a ser apresentado na COP30. Para alcançar resultados concretos, é relevante considerar a continuidade dessas discussões até a COP31, a fim de embasar decisões que permitam escalar o financiamento climático.

Espera-se que o Roadmap Baku-Belém seja capaz de superar as lacunas associadas à anterior, de USD 100 bilhões por ano, marcada pela fragilidade na provisão de meios de implementação. O amadurecimento de aspectos essenciais para transformar a arquitetura financeira multilateral exigirá debates amplos, envolvendo não apenas as Partes da Convenção, mas também outros atores. Nesse sentido, a continuidade do processo é fundamental para ampliar o acesso efetivo ao financiamento climático.

Considerando os diferentes níveis de desenvolvimento entre países, a alocação adequada de recursos financeiros é decisiva para viabilizar as ações climáticas nacionais. O Roadmap Baku-Belém deve, portanto, definir diretrizes que tornem o financiamento climático mais barato, atrativo e acessível, reduzindo o custo de capital e ampliando o acesso aos recursos.

A capacidade do documento de evoluir para além das Partes da UNFCCC, orientando o ecossistema financeiro global, será determinante para catalisar recursos em escala. Reconhecer que o financiamento de projetos de mitigação e adaptação não é apenas uma condição necessária para o combate às mudanças climáticas, mas também um vetor central do desenvolvimento sustentável e da redução de desigualdades, é fundamental para avançar o multilateralismo rumo a uma fase de implementação.

Reconhecendo a importância de uma agenda de financiamento robusta que assegure a plena implementação do Acordo de Paris, a CNA espera que os seguintes aspectos sejam contemplados pelo Roadmap Baku-Belém com vistas a impulsionar o mecanismo de financiamento:

  • Simplificação do acesso ao financiamento junto a bancos multilaterais de desenvolvimento;
  • Desenvolvimento de instrumentos financeiros adequados para projetos de mitigação e adaptação;
  • Inclusão de medidas para aprimorar o financiamento climático e apoiar a implementação das NDCs e dos Planos Nacionais de Adaptação (NAPs, na sigla em inglês);
  • Superação de restrições associadas ao endividamento e ao espaço fiscal limitado dos países em desenvolvimento;
  • Definição de orientações para diferenciais em taxas de juros, prazos de pagamento e volume de recursos elegíveis;
  • Avaliação de mecanismos para reduzir os custos de tomada de crédito para financiamento climático;
  • Ampliação do acesso a instrumentos de seguro climático; e
  • Definição de orientações que incentivem o financiamento de projetos geradores de créditos de carbono, em conformidade com as decisões do Artigo 6 do Acordo de Paris.

É fundamental que futuras plataformas nacionais sejam amplamente discutidas com diferentes atores, de modo a promover um diálogo aberto e assegurar seu alinhamento com a Estratégia Nacional de Meios de Implementação do Plano Clima, cujo objetivo é mobilizar recursos e facilitar o financiamento de metas de mitigação e adaptação.

GRUPO DE SHARM EL-SHEIKH SOBRE AÇÕES CLIMÁTICAS E SEGURANÇA ALIMENTAR

Criado na COP27, em Sharm el-Sheikh, o Grupo de Sharm el-Sheikh para a Implementação de Ações Climáticas em Agricultura e Segurança Alimentar (SJWA) tem como objetivo dar continuidade à agenda de agricultura na UNFCCC, tendo como referência o trabalho desenvolvido no Grupo de Trabalho de Koronivia – espaço que permitiu o amadurecimento da relação entre agricultura e mudanças climáticas.

Enquanto o processo de Koronivia reconheceu o potencial do setor no combate à mudança do clima, a decisão de Sharm el-Sheikh ampliou o escopo, incorporando de forma explícita a segurança alimentar como eixo central. O SJWA passou a adotar uma abordagem integrada, combinando mitigação, adaptação e cobenefícios, em vez de priorizar apenas a redução de emissões.

O plano de trabalho acordado na COP29 prevê workshops temáticos, relatórios síntese anuais sobre avanços e lacunas de financiamento e cooperação, além do Portal online de Sharm el-Sheikh. Esse conjunto de instrumentos visa aprofundar as discussões sobre agricultura e mudanças climáticas dentro do Acordo de Paris.

O primeiro workshop do SJWA, realizado durante a 62ª Reunião dos Órgãos Subsidiários da Convenção, em Bonn, em junho de 2025, evidenciou a pluralidade de perspectivas sobre agricultura sustentável e de baixo carbono. As discussões acenaram com a falta de soluções disponíveis para enfrentar os impactos das mudanças climáticas no setor agrícola. Apesar das diferentes abordagens, destacou-se a convergência em torno de objetivos comuns: a preservação dos recursos naturais, a regeneração do solo e a captura de carbono.

Em paralelo, o relatório síntese elaborado pelo Secretariado² apontou a insuficiência de financiamento climático destinado ao setor, o que compromete a adoção de ações com maior potencial de mitigação e adaptação. Nesse cenário, torna-se essencial superar os principais gargalos críticos, assegurando acesso adequado aos meios de implementação – financiamento, capacitação e transferência de tecnologia – para potencializar a soluções oferecidas pelo setor.

O portal online de Sharm el-Sheikh³ representa um marco significativo ao centralizar as políticas e os projetos de agricultura e segurança alimentar, facilitar a troca de experiência e conectar iniciativas a possíveis fontes de financiamento para o setor agropecuário. Aberto também a contribuições de organizações do setor privado e da sociedade civil, o portal fortalece a cooperação internacional e garante maior transparência às ações em andamento.

Atendendo às solicitações feitas pelas Partes na COP29, o Secretariado implementou melhorias no sistema, incluindo: um modelo padrão de submissões que permite categorizar as ações em iniciativas, projetos ou políticas⁴; a indicação de prazos de execução; e a identificação de necessidades de financiamento ou colaboração. Apesar das limitações operacionais, o portal tem potencial para se tornar uma vitrine global de soluções climáticas em agricultura e segurança alimentar e deve ser defendido pelo Brasil como instrumento de implementação.

Para o Brasil, o portal de Sharm el-Sheikh representa uma oportunidade estratégica de dar visibilidade a políticas agrícolas bem-sucedidas, como o Plano ABC+, o RenovaBio e o Caminho Verde Brasil. Sua utilização eficiente pode atrair recursos, expandir parceiras internacionais e reforçar a liderança do país na agenda de agricultura de baixo carbono.

Com o plano de trabalho já definido até a COP31, espera-se que a decisão a ser adotada em Belém tenha caráter protocolar, formalizando os encaminhamentos do grupo, conforme acordado em Bonn. Nesse contexto, a CNA sugere que a decisão de agricultura priorize os seguintes elementos:

  • Definir melhorias adicionais para o aprimoramento do portal;
  • Incentivar as Partes a submeterem suas ações climáticas de agricultura e segurança alimentar, para que seja possível, futuramente, reunir as ações contidas nas 141 NDCs que contemplam o setor;
  • Incentivar a participação de outras Partes interessadas, como organizações do setor privado e da sociedade civil, instituições financeiras e centros de pesquisa;
  • Solicitar ao Secretariado que o próximo relatório síntese traga informações detalhadas sobre as necessidades financeiras e barreiras de acesso a financiamento, capacitação e transferência de tecnologia relevantes para ações climáticas em agricultura e segurança alimentar; e
  • Estimular a participação ativa de observadores, organizações internacionais, instituições financeiras e órgãos constituídos no próximo workshop, previsto para junho de 2026, em Bonn.

Reforçamos, também, que a CNA contribuirá para o portal, destacando o papel da agropecuária de baixo carbono, alinhada com o Plano ABC+ e a agenda nacional de biocombustíveis.

BALANÇO GLOBAL: DIÁLOGO DOS EMIRADOS ÁRABES UNIDOS

O Global Stocktake (GST) tem como objetivo avaliar, a cada cinco anos, o progresso e os esforços das Partes em todas as áreas do Acordo de Paris, incluindo mitigação, adaptação e meios de implementação. Além de avaliar o progresso coletivo, o GST busca identificar lacunas, avanços e recomendações para orientar as Partes na formulação e atualização de suas NDCs, incentivando ciclos progressivos de maior ambição.

O primeiro GST, concluído na COP28, em Dubai, evidenciou a distância entre os compromissos atuais e a meta de limitar o aquecimento global a 1,5 ºC. A decisão trouxe medidas prioritárias para manter esse limite dentro do alcance, como triplicar a participação de energias renováveis globalmente até 2030, se distanciar dos combustíveis fósseis e eliminar o desmatamento.

Na COP30, será possível avaliar o grau de ambição para o período 2031-2035, o que é extremamente relevante para verificar o progresso global rumo à meta do Acordo de Paris. Contudo, o processo enfrenta desafios: até o momento, apenas 33 países apresentaram novas NDCs, evidenciando tanto as tensões geopolíticas quanto a limitação de recursos disponíveis para implementação das ações climáticas.

Para apoiar a execução das recomendações do primeiro balanço global, foi criado, na COP28, o Diálogo dos Emirados Árabes Unidos (UAE Dialogue). Esse espaço tem como objetivo discutir a implementação dos resultados acordados em Dubai, identificar oportunidades e lacunas e explorar caminhos para ampliar o financiamento, a capacitação e a transferência de tecnologia, de modo a viabilizar o cumprimento das metas nacionais.

Entretanto, divergências quanto ao escopo do UAE Dialogue e ao seu papel na implementação das recomendações acordadas impediram a aprovação de uma decisão na COP29. Esse impasse gera incertezas sobre a efetiva contribuição do GST para orientar as Partes na atualização de suas NDCs.

Em Belém, os países deverão negociar as modalidades e o mandato do UAE Dialogue, incluindo seu papel no apoio à implementação dos resultados do GST. Enquanto os países em desenvolvimento defendem a priorização de meios de implementação, sobretudo financiamento, os países desenvolvidos pressionam por maior destaque às recomendações de mitigação. Persistem também diferenças sobre a natureza desse diálogo: se deve funcionar apenas como espaço de troca de experiências ou se deve produzir relatórios e mecanismos de monitoramento para informar futuros ciclos do GST.

A despeito dos desafios, a CNA considera que a decisão do GST deve servir como referência para orientar a atualização das NDCs e a efetiva implementação das ações climáticas, garantindo que o aumento de ambição esteja acompanhado de recursos e condições adequados para todos os países. Nesse sentido, o financiamento climático será elemento central para a efetividade do processo.

O trabalho conduzido sob o Roadmap Baku-Belém reforça essa conexão ao propor caminhos para ampliar o financiamento climático em escala, condição indispensável para sustentar NDCs robustas e viáveis. Nesse sentido, a CNA entende que o UAE Dialogue deve contemplar os seguintes aspectos:

  • Promover a troca de experiências entre as Partes sobre a implementação dos resultados do GST, identificando lacunas em comuns e formas eficazes de superá-las;
  • Assegurar que a implementação dos resultados do GST seja nacionalmente determinada e adequada às circunstâncias de cada país, evitando abordagens uniformes;
  • Aprimorar a plataforma de exploração do GST, tornando-a visual, acessível e interativa, visando suprir as lacunas de informação e permitindo a comparação das ações das Partes por setor e área; e
  • Incentivar a provisão de meios de implementação suficientes, em especial financiamento, para viabilizar o aumento de ambição e acelerar a ação climática global.
TRANSIÇÃO JUSTA

O Programa de Trabalho de Transição Justa (JTWP, na sigla em inglês), estabelecido na COP27, visa projetar caminhos que assegurem o cumprimento das metas do Acordo de Paris de forma justa e equitativa. Essa abordagem deve ser multifacetada, contemplando dimensões como energia, força de trabalho, aspectos socioeconômicos e outras áreas relevantes.

Na COP28, em Dubai, as Partes acordaram o escopo, os objetivos e o cronograma de implementação do programa, com a realização de diálogos e um evento de alto nível. Contudo, divergências sobre o resultado esperado do JTWP impediram avanços em Baku, deixando o tema para a COP30.

O principal desafio reside nas diferentes interpretações sobre o conceito de transição justa para os países desenvolvidos e em desenvolvimento. Estes últimos defendem que qualquer discussão sobre o tema deve estar ancorada no princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas (CBDR), o que implica reconhecer a necessidade de meios de implementação para viabilizar a transição rumo ao desenvolvimento sustentável e à erradicação da pobreza.

Nesse sentido, a CNA entende que as transições justas devem ser moldadas às circunstâncias nacionais e às particularidades de cada sistema produtivo, evitando abordagens uniformes.

Durante a Conferência de Bonn, em junho, foi determinado que medidas comerciais unilaterais baseadas em justificativas climáticas, como o Ajuste de Carbono na Fronteira (CBAM) e o Regulamento Antidesmatamento da União Europeia (EUDR), também fariam parte das discussões do JTWA.

A discussão sobre medidas unilaterais em foros como a UNFCCC é especialmente relevante para países em desenvolvimento e menos desenvolvidos, que além de financiarem suas próprias transições para uma economia de baixo carbono, enfrentam barreiras comerciais com objetivos ambientais que aumentam os custos de suas exportações e pressionam suas economias nacionais.

No caso da agricultura, setor estratégico para o Brasil, a CNA recomenda que os negociadores brasileiros priorizem os seguintes pontos nas discussões sobre transições justas:

  • Incentivar meios de implementação – financiamento, capacitação e transferência de tecnologia – direcionados à agricultura de baixo carbono;
  • Salientar a importância de políticas de incentivo para agricultores que adotem práticas sustentáveis capazes de reduzir emissões de gases de efeito estufa (GEE) e aumentar o sequestro de carbono;
  • Ressaltar os cobenefícios gerados pela agricultura, como geração de empregos, fortalecimento das economias locais e contribuição para a segurança alimentar; e
  • Garantir que o JTWP não legitime medidas comerciais unilaterais com justificativas climáticas, reconhecendo os impactos desproporcionais que tais instrumentos impõem aos países em desenvolvimento.
META GLOBAL DE ADAPTAÇÃO: MAPEAMENTO DE INDICADORES

A Meta Global de Adaptação (GGA, na sigla em inglês), prevista no Artigo 7 do Acordo de Paris, reflete os desafios crescentes enfrentados pelas Partes diante do aumento de temperatura. Além de aprimorar a capacidade adaptativa mundial, a GGA tem como objetivo fortalecer a resiliência e reduzir a vulnerabilidade às mudanças climáticas, sendo a agricultura um dos setores mais impactados.

A definição de uma meta global com objetivos e métricas claras tem o potencial de estimular a formulação de políticas públicas e direcionar financiamento para medidas de adaptação, equilibrando a agenda climática com ações que vão além da mitigação de emissões.

A aprovação, na COP28, do Framework dos Emirados Árabes Unidos para a Resiliência Climática Global (UAE Framework for Global Climate Resilience) representou um marco para a implementação da meta global de adaptação. A estrutura define áreas prioritárias que demandam ações de adaptação em escala global e estabelece, além de objetivos temáticos, objetivos dimensionais que devem orientar os países na elaboração e implementação de seus NAPs.

Dada a ausência de métricas mensuráveis para monitorar o progresso em direção a esses objetivos, instituiu-se o Programa de Trabalho dos Emirados Árabes Unidos – Belém, com o mandato de identificar e, se necessário, desenvolver indicadores que permitam mensurar o avanço na implementação da GGA. O objetivo é apresentar, até a COP30, um conjunto manejável de, no máximo, 100 indicadores globalmente aplicáveis que reflita diferentes contextos de adaptação.

Na 62ª Reunião dos Órgãos Subsidiários, em Bonn, foi discutida uma lista preliminar de 490 indicadores, selecionados entre os 9.000 inicialmente mapeados. A decisão acordada em Bonn solicitou o refinamento dessa lista, incorporando meios de implementação, fatores habilitadores e aspectos transversais, além de definir orientações metodológicas para o processo.

Certamente, o êxito do UAE Framework depende diretamente da disponibilidade de meios de implementação adequados. Nesse sentido, torna-se essencial mensurar o acesso e a qualidade do financiamento para adaptação, condição indispensável para garantir resultados efetivos.

Para a CNA, a adaptação constitui um pilar central da agenda climática, especialmente devido à sua relevância para a agricultura e a segurança alimentar. O setor agropecuário brasileiro já adota práticas sustentáveis que fortalecem a resiliência climática, como a implementação de sistemas integrados e a recuperação e conservação de vegetação nativa.

Apesar de os impactos climáticos serem globais, a adaptação deve ocorrer em nível local, exigindo coordenação entre diversos atores. Nesse sentido, destaca-se o Plano Setorial de Adaptação para o setor agropecuário, um dos eixos que compõe o Plano Clima, que orientará ações de enfrentamento às mudanças climáticas até 2035.

Reconhecendo a vulnerabilidade do setor, a CNA recomenda aos negociadores brasileiros:

  • Garantir que os indicadores de adaptação contemplem o setor agrícola a fim de fortalecer a implementação de ações climáticas em agricultura e segurança alimentar;
  • Garantir que a lista final de indicadores seja manejável, permitindo sua adequação à realidade nacional e o reconhecimento de ferramentas usadas no contexto da agricultura tropical;
  • Reconhecer a importância da adoção de boas práticas que favoreçam a adaptação e a resiliência dos sistemas produtivos;
  • Promover programas de capacitação voltados especialmente aos países em desenvolvimento para apoiar a implementação dos indicadores;
  • Estabelecer um período prévio de teste dos indicadores, com o objetivo de avaliar sua viabilidade de coleta de dados e sua adequação às circunstâncias nacionais;
  • Adotar uma abordagem gradual, com foco inicial nas metas que demandam ação imediata; e
  • Prever a revisão dos indicadores após o segundo Global Stocktake , previsto para 2028, com ênfase nos meios de implementação.

Adicionalmente, espera-se que o Roteiro de Adaptação de Baku (Baku Adaptation Roadmap), cujo papel deverá ser decidido na COP30, fortaleça a operacionalização da GGA. Esse instrumento deverá orientar as Partes na implementação dos indicadores, além de criar um espaço contínuo de discussão técnica entre elas sobre avanços e desafios na agenda de adaptação.

MITIGAÇÃO

O Programa de Trabalho sobre Mitigação (MWP, na sigla em inglês), com mandato até 2026 e prorrogação, tem como objetivo ampliar a ambição e a implementação da mitigação ainda nesta década. Além de diálogos anuais, o MWP oferece um espaço para as Partes discutirem temas relacionados à mitigação e adotarem decisões que possam orientar ações nesse sentido em determinados setores.

Em Bonn, as negociações foram caracterizadas por debates intensos sobre o escopo do mandato, o conceito de “espaço seguro” (safe space) e a proposta de criação de uma nova plataforma digital para facilitar a implementação de projetos.

Enquanto alguns países veem o MWP como um ambiente propício para a troca de experiências e conhecimentos, outros enfatizam a necessidade de o programa impulsionar o aumento da ambição, com destaque para ações de mitigação e implementação das mensagens dos diálogos globais.

A proposta brasileira de uma plataforma online para conectar projetos a financiadores gerou questionamentos sobre possíveis duplicação de esforços, risco de desviar o foco das ações de mitigação e sobreposição ao mandato do MWP. Apesar dessas preocupações, a proposta foi bem recebida por parte dos países, que valorizaram seu potencial inovador.

As discussões serão retomadas na COP30 com base em uma nota informal⁶ que contém apenas a estrutura da decisão a ser adotada em Belém. Tal documento faz menção ao dissenso sobre a plataforma online e a continuidade do programa de trabalho, indicando que esses serão temas centrais nas negociações de novembro.

A falta de clareza sobre qual deve ser o escopo do trabalho desse grupo salienta o fato de que a criação de vários grupos e programas de trabalho torna a agenda de negociações pesada, sem a geração de resultados que apoiem a implementação das ações climáticas.

A CNA entende que operacionalizar uma nova plataforma para submissão de projetos pode ser um desafio custoso para o Secretariado da UNFCCC e para as Partes, dado que os últimos exemplos ainda não possuem a tração necessária nem para servir como fonte de comparação das ações dos países, nem para a atração de investimentos para projetos. As negociações durante a COP30 exigirão esforço dos negociadores para apontar as soluções exigidas para o impulsionamento das ações em mitigação, e a criação de uma nova plataforma não parece uma solução adequada para o sucesso do grupo.

ARTIGO 6 DO ACORDO DE PARIS

Apesar da suspensão das negociações formais sobre mercado de carbono (Artigos 6.2 e 6.4) até 2028, as discussões sobre o Artigo 6 do Acordo de Paris continuaram ativas por meio de diálogos e sessões de capacitação durante a COP30.

8.1 Transferência Internacional de Resultados de Mitigação (ITMOs): Artigo 6.2

O Artigo 6.2 do Acordo de Paris estabelece bases para a cooperação internacional por meio da negociação de acordos bilaterais ou multilaterais para a transferência internacional de resultados de redução ou remoção de emissões, conhecidos como ITMOs, na sigla em inglês. Esse instrumento permite que países que superem as metas estabelecidas em suas NDCs transfiram o excedente a outras Partes, desde que sejam garantidos o desenvolvimento sustentável, a integridade ambiental e a transparência, assegurando que não haja dupla contagem entre países emissores e adquirentes.

A participação nesse mecanismo exige sistemas robustos de contabilidade, monitoramento e reporte, bem como a aplicação de ajustes correspondentes para rastrear com precisão os ITMOs transacionados e garantir que o mesmo resultado não seja reivindicado duas vezes.

A arquitetura descentralizada do Artigo 6.2 confere maior flexibilidade aos países para adaptar os termos de cooperação às suas necessidades, inclusive quanto à definição de preços, contribuindo para a previsibilidade financeira e estimulando a transferência de conhecimento e tecnologia.

A aprovação, na COP29, das regras finais para o Artigo 6 marcou o início de uma nova fase voltada à plena implementação do mecanismo, com ênfase na integridade ambiental e na transparência. O processo de revisão das orientações existentes e a análise das questões pendentes deverão ser retomados em 2028.

Nesse período, as Partes acordaram a realização de diálogos nas sessões dos órgãos subsidiários, a fim de promover a troca de informações entre países e observadores sobre como as abordagens cooperativas podem contribuir para o aumento de ambição.

Até setembro de 2024, 131 das 168 NDCs submetidas manifestaram intenção de utilizar os mecanismos de cooperação voluntária do Acordo de Paris, sendo que 87 declararam especificamente interesse no Artigo 6.2, o que reflete a busca por créditos com alta integridade ambiental e adicionalidade.

Paralelamente, o Artigo 6 Pipeline do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP, na sigla em inglês) aponta a celebração de 100 acordos bilaterais entre 61 países, consolidando o mecanismo como via prioritária para a cooperação climática. Na América Latina, Chile, Colômbia, Costa Rica, México, Panamá, Paraguai, Peru e Uruguai já firmaram acordos para geração e venda de ITMOs.

Embora a NDC atualizada apresentada pelo Brasil na COP29 proponha o uso das abordagens cooperativas do Artigo 6.2 como instrumento para ampliar a ambição da meta brasileira, é relevante notar que o país ainda não assinou acordos bilaterais ou memorandos de entendimento para a comercialização de ITMOs.

Essa ausência pode resultar na perda de oportunidades estratégicas capazes de valorizar seus esforços de mitigação e reduzir a atração de investimentos internacionais, além de transmitir uma sinalização frágil a países demandantes de ITMOs, direcionando recursos financeiros para ações climáticas em outros países.

Além da necessidade de celebração de parcerias internacionais, o Brasil enfrenta lacunas domésticas que precisam ser superadas para viabilizar sua inserção no Artigo 6.2, incluindo: a criação de um marco regulatório alinhado às regras internacionais; o fortalecimento de mecanismos de monitoramento das metas climáticas; e o desenvolvimento de um registro nacional capaz de registrar, rastrear e relatar, de forma transparente, os ITMOs gerados.

Diante do potencial do Brasil como gerador de créditos de carbono de alta integridade, a CNA gostaria de destacar as seguintes recomendações:

  • Apesar da suspensão das negociações sobre o Artigo 6 até 2028, é essencial promover debates sobre o Artigo 6.2, incentivando o seu uso e alinhando políticas regulatórias às regras internacionais;
  • É estratégico que o Brasil celebre abordagens cooperativas para a geração de ITMOs em setores como agricultura e bioenergia, contribuindo para o desenvolvimento sustentável do país;
  • A participação no Artigo 6.2 pode escalar projetos em áreas prioritárias como a recuperação de pastagens degradadas e a restauração florestal;
  • Viabilizar projetos de energia renovável baseados em biomassa, biogás e biometano pode ser uma forma atrativa de mitigar emissões, atraindo também financiamento externo e tecnologias inovadoras;
  • Além da ação climática, a participação no Artigo 6.2 pode gerar cobenefícios relevantes, como a transferência de expertise e tecnologia, apoio técnico e financeiro e fortalecimento da infraestrutura de monitoramento, reporte e verificação (MRV) das reduções de emissões, contribuindo para maior transparência e integridade; e
  • A formalização de memorandos de entendimento ou declarações de intenção com países demandantes de ITMOs representaria um sinal concreto do compromisso do Brasil com o mercado internacional de carbono, inserindo-o como potencial fornecedor.

Por fim, entendemos que o engajamento do Brasil no Artigo 6.2 é crucial para valorizar seus ativos climáticos, atrair investimentos internacionais e consolidar o país como referência em soluções de mitigação com alta integridade ambiental.

8.2 Mecanismo de Crédito do Acordo de Paris (PACM): Artigo 6.4

O Mecanismo de Crédito do Acordo de Paris (PACM, na sigla em inglês) tem como finalidade estabelecer um mercado de carbono internacional que permita a cooperação entre países e demais atores no cumprimento das metas de redução de emissões. Diferentemente do Artigo 6.2, que adota uma abordagem mais flexível e descentralizada, o Artigo 6.4 prevê um sistema supervisionado pela UNFCCC para a geração de créditos de carbono – os “A6.4ERs” – originados de projetos públicos ou privados e negociados no PACM.

A adoção das principais regras na COP29, em Baku, conferiu um papel central ao Órgão de Supervisão, responsável por desenvolver e supervisionar as regras necessárias para a operacionalização do mecanismo, incluindo a aprovação de metodologias, o registro de atividades, o credenciamento de órgãos de verificação e o gerenciamento do registro do Artigo 6.4.

Até o momento, foram adotados padrões e procedimentos para a operacionalização do PACM, garantindo a aplicação uniforme de regras, modalidades e procedimentos do Artigo 6.4. Entre os documentos aprovados, destacam-se os padrões aplicáveis às metodologias credenciadas, que contemplam critérios de adicionalidade, definição de linha de base, mitigação de riscos de vazamento e requisitos para atividades de remoção.

Em relação ao Mecanismo de Crédito do Acordo de Paris (PACM), a CNA recomenda aos negociadores:

  • Garantir, no processo de aprovação das metodologias, a elegibilidade dos créditos oriundos de atividades agropecuárias, assegurando a representatividade de diferentes setores produtivos;
  • Manter aberta essa discussão sobre a aceitação de créditos florestais, desde que amparados por critérios de integridade ambiental e transparência. Vale ressaltar que a inclusão de créditos provenientes de emissões evitadas e de atividades de conservação será reavaliada apenas em 2028; e
  • Fortalecer o mercado de carbono como instrumento para o alcance de metas climáticas e para a mobilização de financiamento climático, impulsionando a implementação plena do mecanismo conduzido pelo Órgão de Supervisão.

No contexto nacional, a integração do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) aos mecanismos do Artigo 6 pode viabilizar a comercialização de créditos de carbono com elevada integridade ambiental. Para tanto, a regulamentação do mercado regulado será determinante, sendo fundamental o alinhamento com as regras internacionais.

LEGADO DA COP 30 NA AMAZÔNIA

A COP30 na Amazônia não pode se limitar a celebrar a floresta e a biodiversidade. Se, por um lado, o evento promete colocar no centro das discussões globais a proteção aos recursos naturais, por outro deve também reconhecer o valor da presença humana na região. A Amazônia, afinal, é a casa de 30 milhões de brasileiros, espalhados em mais de 750 municípios, que coexistem com a natureza.

Atualmente, a região é a mais pobre e vulnerável do Brasil. Entre os 100 municípios com pior desempenho econômico, a grande maioria está na Amazônia, incluindo os 10 últimos (IFDM 2023, Firjan). Em qualidade de vida, o quadro é semelhante: os 10 últimos colocados no ranking nacional estão na Amazônia (IPS Brasil, 2025). É um paradoxo doloroso: onde a abundância natural é maior, a miséria humana é mais profunda.

No campo, mais de 1 milhão de produtores rurais sustentam a segurança alimentar da população local, cultivando arroz, feijão, hortaliças, leite, frutas, mandioca, carne, café, ovos, entre outros. Porém, 89% deles são pequenos produtores (Embrapa Territorial, 2021), frequentemente tratados como ameaça à floresta, mesmo quando ocupam a região há décadas.

Há, na região, milhares de famílias que vivem em assentamentos sob regime de posse precária, sem título de propriedade. Sem reconhecimento legal que separe o “joio do trigo”, o produtor rural de boa-fé e o grileiro criminoso acabam sendo igualmente tratados como “ameaça”, efeito que promove um ciclo perene de ilegalidade e pobreza.

Como alternativa à produção rural de alimentos, políticas recentes na Amazônia resgatam a velha fórmula do extrativismo de subsistência. A conta, contudo, não fecha. Sem tecnologia e escala, o extrativismo não é competitivo e apenas sobrevive às custas de compensação. Quando agrega tecnologia e mercado, deixa de ser extrativismo e se converte em agricultura.

Enquanto a Amazônia insiste na “coleta” dos seus frutos, outros lugares domesticam e lucram com suas riquezas. Seis municípios do noroeste paulista produzem mais látex do que toda a Amazônia. A Bahia lidera a produção de cacau no Brasil (IBGE, 2024). O açaí, última aposta do extrativismo, já se expande em sistemas de plantio, inclusive no Tocantins e na Bahia. E há alguns anos, a China se tornou a principal produtora e exportadora do tambaqui, peixe amazônico por excelência.

O preconceito contra a produção de alimentos na Amazônia condena a região várias vezes: primeiro, ao abandono de seus produtores rurais, sem acesso a crédito, tecnologia ou mercados; em seguida, à vulnerabilidade crescente e à marginalização social , tanto nas periferias urbanas quanto nas comunidades rurais; por fim, ao avanço da violência, da criminalidade e da degradação.

Nos últimos anos, a Amazônia tem assistido à expansão do crime organizado. Entre as capitais do país, algumas das mais violentas estão na região . Em 2024, facções criminosas já estavam presentes em um terço dos municípios amazônicos, um crescimento de 46% em apenas dois anos (Cartografia da Violência, FBSP, 2024), dado alarmante que ameaça a soberania nacional.

A COP30 na Amazônia deve ser muito mais do que um evento sobre a conservação da natureza. Ela será um teste decisivo para a agenda climática global e sua capacidade de reconhecer as necessidades e aspirações de desenvolvimento de quem vive na floresta. “Amazônia é uma palavra que atrai, assusta, fascina” disse o embaixador André Corrêa do Lago, mas é também uma palavra que convoca e inspira.

Para que essa promessa se cumpra, o primeiro passo é reconhecer que agricultura e segurança alimentar são pilares inseparáveis da agenda climática, tanto na Amazônia quanto em qualquer lugar do planeta. É com esse espírito que a CNA promove as seguintes recomendações:

  1. Reconhecer o direito à produção agropecuária sustentável na Amazônia como parte inseparável da agenda climática, combatendo a estigmatização dos agricultores locais;
  2. Acelerar a regularização fundiária e ambiental como condição básica para promover a segurança jurídica, garantir acesso a crédito e estimular investimentos produtivos;
  3. Reforçar a segurança alimentar regional, incentivando a produção local de alimentos;
  4. Combater o desmatamento ilegal por meio de incentivos econômicos eficientes, garantindo a sustentabilidade produtiva da região;
  5. Criar linhas de crédito rural e financiamento climático específicas para produtores amazônicos, com juros diferenciados e prazos adequados, apoiando sistemas integrados de produção, recuperação de pastagens e reflorestamento produtivo;
  6. Transformar a bioeconomia alimentar em vetor de renda e inovação, baseada em ciência, tecnologia, domesticação e agregação de valor;
  7. Afirmar a soberania nacional sobre o território e apoiar o combate à violência e ao crime organizado, reconhecendo que não há floresta protegida ou ação climática efetiva sem ordem e segurança no território;
  8. Investir em integração logística e energia limpa na região, reduzindo custos de transporte, aumentando a conectividade e criando condições para atrair investimentos sustentáveis; e
  9. Valorizar a contribuição do agricultor amazônico na transição climática global, reconhecendo que produção de alimentos, conservação florestal e segurança alimentar devem caminhar de mãos dadas.
Créditos da matéria: CNA BRASIL